Mãe “nerd”
Ainda ontem recebí um telefonema de uma amiga e
comadre.Ela, entre aflita e surprêsa, queria dividir comigo um problema, no
mínimo , incomum.Seu neto, Eduardo, não queria que sua mãe fosse ao Conselho de
Pais e Mestres.A razão: Eduardo estava com receio de apresentar sua mãe “nerd”.O
diálogo entre ela e o neto, foi mais ou menos assim:
-Vó, eu não quero que a
mãe vá ao Conselho de Pais e Mestres!
-Mas, porque Eduardo?
-A mãe é “nerd”.Até mesmo
meus colegas reparam.Ela só fala em Kilo, Mega, Giga e Tera bites, em internet,
DNLA, IPTV e outras coisas que ninguém sabe o que é.Isso se ela não resolver
ensinar como funciona a TV Digital, DTH, TV a Cabo e outros bichos.Pior ainda
se ela resolver dar uma aula de Física e Ótica, mostrando o espectro solar e
suas frequências.Aí as pessoas dormem ou a odeiam de vez!
Fiquei chocada com a
estupidez do Eduardo.Como é que pode?Desde que existe internet, certos termos
como Giga e Tera são comuns.Já TV Digital, DNLA, IPTV, DTH e TV a Cabo já são
mais específicos de Telecomunicações.Então, em se falando de Física e Ótica,
eram as paixões da Sofia (mãe do Eduardo).
No nosso tempo de estudantes,
alguns colegas tinham um certo
constrangimentode apresentar suas mães fazendeiras, que sabiam fazer pão, massa
caseira, linguiça, sabão e charque – sem falar nas suas hortinhas, cuja
plantação obedecia as fases da lua (naquele tempo, não havia comprovação
científica da influência da lua) para transplantar as mudinhas de
hortaliças.Algumas delas, faziam queijo, manteiga e iogurte.Enquanto eles
ficavam inseguros, eu achava o máximo ter uma mãe que fazia tudo isso além do
tricô, crochê e cozinhar!Só que, elas tinham pouco estudo, mal sabendo ler e
escrever, nada sabiam de literatura, teatro ou cinema.Mas, isso jamais me
incomodou, pois o mundinho acolhedor que elas criavam, não tem preço.
Agora o Eduardo, um
moleque mimado e estragado, tinha vergonha de sua mãe, professora universitária!!!É
estranho como as coisas mudam:antes tinha-se vergonha de pais iletrados – hoje,
se teria vergonha de pais “nerds”?O que poderemos esperar quando a cultura não
for o banquete, mas o feijão com arroz?Teremos vergonhas de filhos analfabetos
funcionais?Eles já são uma multidão...
Hoje, a classe média se
pauta por uma educação superior, uma profissão e uma carreira.Raras pessoas
casam cedo, quando casam.Está muito remoto o tempo em que as mães eram apenas
donas de casa.
Do jeito que o Eduardo
falou, parece que ser “nerd” é um crime inominável!Pior que ser bandido ou
terrorista.Sinal dos tempos???
Não, exatamente!Desde que se
identificou os superdotados – e minha afilhada Sofia é uma dessas, sempre houve
um certo preconceito mesclado com medo e deboche.Para o superdotado virar “nerd”
foi um pulinho.Todo superdotado, superinteligente, índigo e cristal passsaram a
ter a denominação genérica de “nerd”.
Na verdade, grande parte da culpa
disso, cabia a minha comadre, que isolava a Sofia e só lhe permitia ir ao
cinema se tirasse o 1º lugar.Ela se “enfiou” nos estudos como a única forma de
vida que lhe era oferecida.E, como se fosse pouco, o pai (“nerd” por
excelência) deu-lhe o nome de Madonna Sofia, abreviado para Donna Sofia.A pobre
criança já nasceu com a obrigação de desenvolver sua Sabedoria.
O que acontece é que,
ontem como hoje, pessoas comuns (o filho de Sofia é comum) não entendem o que
um superdotado é.Se a mãe de Sofia a tivesse colocado numa escola para
superdotados, ela seria uma entre muitos.Mas, no meio do comum dos mortais, ela
se destacava – muitas vezes despertando inveja e antipatia.
Sempre julguei que
Sofia fosse seguir sua carreira acadêmica sem desejar formar uma família.Foi
uma surpresa (grata, por sinal) quando ela se casou com um colega de
faculdade.Não foi surpresa o casamento acabar poucos anos depois.Poucos homens
resistem ganhar menos que a mulher e ser menos brilhante que ela.A bolsa de
estudos para o M.I.T. foi a gôta dágua.Ela conseguiu a bolsa, ele não.E, na sua
mediocridade, ele espalhou para o mundo que preferia cuidar do filho do que ir
estudar no estrangeiro.A sogra de Sofia, aproveitou para envenenar o Eduardo
contra sua mãe.Convence-lo de que ela se “pavoneava” com seu conhecimento, foi
o 1º passo.Excluí-la de sua vida social e escolar foi o 2º passo.Quando o pai
consentiu numa convivência civilizada (por ordem da Vara de Família),
permitindo passeios, a bruxa da sogra de Sofia continuou a afastar Sofia da
vida de Eduardo.
Sofia sofreu, é
claro!Mas, como sempre, se atirou aos estudos e ao trabalho – e colheu mais
frutos (o que enfureceu mais sua sogra).
Sempre me perguntei se
Sofia poderia ter uma vida normal – não, não seria possível:seus genes, seu
isolamento a tornaram uma “nerd”.Às vezes chego a pensarse ter tamanho
potencial faz alguém feliz ou o desgraça para sempre.Não há nada conclusivo.Os
prós e os contras se anulam.
O que teriam sentido os
filhos de Einstein, Tesla e outros, não sei.Talvez, orgulho.É mais fácil
aceitar um pai esquisito do que uma mãe esquisita.
Quando Eduardo chegar a
faculdade e precisar consultar ensaios e teses sobre Física, Ótica,
Telecomunicações, com certeza encontrará obras de sua mãe.Talvez, pela 1ª vez a
admire.Talvez, leia e vá conferir em ouros autores.Afinal, a lavagem cerebral
que ele sofreu o tornaram amargo e cético.Mas, para sempre terá uma mãe “nerd”.
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