Somos meros "lulus"; final de ciclo;calendário maia;freqüencias;tsunami novamente;ficção ou realida

domingo, 3 de julho de 2011

Holocausto ameríndio

                    O holocausto ameríndio
        
              Muito se fala no Holocausto dos Judeus e poucos falam das atrocidades que a nossa querida e pérfida civilização cristã ocidental fez contra as populações indígenas americanas.
              Porém, foi massacrado o povo inca e asteca, (sem falar nos índígenas do Brasil, Argentina e Uruguay cujos massacres poucos comentam) num total de 500 milhões de pessoas.Alguns fragmentos de História americana:
         

Túpac Amaru, o filho do sol

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No fim do século 18, Túpac Amaru liderou a maior rebelião indígena da América, que incendiou o coração dos Andes e inspirou revolucionários como Bolívar e Che Guevara

Alessandro Meiguins | 01/11/2004 00h00
O mundo amanheceu ao contrário naquele dia em Tinta, um pequeno povoado no sul do vice-reino do Peru. Acostumada a ser explorada e maltratada pelas tropas do mandachuva local, o espanhol Antonio Arriaga, a população mal conseguia acreditar que era ele quem dava seus últimos suspiros, pendurado pelo pescoço na ponta de uma corda, em plena praça central do vilarejo. Ao seu lado, comandando a execução, estava José Gabriel Túpac Amaru. Vestido para a guerra, com o tradicional ornamento inca em forma de um sol dourado no peito, convocava aos berros índios, mestiços e negros para lutar contra a dominação espanhola. Naquele 4 de novembro de 1780, com o corpo de Arriaga balançando atrás de si, Túpac Amaru, descendente da linhagem imperial dos incas, declarou que não existiam mais impostos e que os escravos estavam livres. “Foi o início de uma rebelião que se espalharia pelos Andes e chegaria até os altiplanos bolivianos”, diz Julio Vera del Carpio, historiador da Casa da Cultura Peruana, em São Paulo. Quase 300 anos depois de os espanhóis desembarcarem na América, o filho do sol estava de volta.
Os espanhóis desembarcaram na América em 1492 ávidos por encontrar riquezas que financiassem seus navios, suas armas e sua nobreza. Quando chegaram ao Peru, em 1527, e descobriram as minas de prata da região, não perderam tempo. Reuniram um exército sob o comando de Francisco Pizarro e trataram de eliminar todo aquele que pudesse afastá-los de seu objetivo. Por “todo aquele” entenda-se os incas, que habitavam desde as cordilheiras no Peru até os altiplanos bolivianos. Em 1532, os espanhóis iniciaram uma conquista rápida e implacável. Com a vantagem das armas de fogo e do duro aço espanhol, submeteram os guerreiros indígenas e suas lanças de cobre. Pizarro conquistou Cusco, a capital inca, e capturou e executou Atahualpa, seu imperador. Em seguida nomeou um novo ocupante para o trono: Manco Inca Yupanqui. Pouco tempo depois, no entanto, Manco Inca percebeu que estava sendo usado pelos espanhóis e fugiu de Cusco, iniciando uma revolta. A aventura durou pouco: os espanhóis mataram Manco Inca e seus sucessores. O último foco de resistência foi derrotado em 1572, com o enforcamento do derradeiro imperador inca, o primeiro Túpac Amaru (foram vários “Túpacs”). Foi o ponto final na civilização inca na América do Sul, “que ocupou um território maior que o do Império Romano”, diz Antonio Núnez Jiménez, no livro Nuestra América. A partir desse momento, seus mais de 3 milhões de habitantes tinham um novo senhor.
A primeira coisa que os novos donos do pedaço fizeram foi estabelecer a “mita” – o trabalho forçado nas minas de prata e mercúrio. “Os índios eram convocados pelos espanhóis, arrastados a pé através dos vales montanhosos e muitos morriam exauridos no caminho”, diz Carpio. “Quando chegavam, tinham um breve descanso e, um ou dois dias depois, entravam nos estreitos buracos na terra em busca dos metais. Poucos sobreviviam por muito tempo às longas jornadas de trabalho, que chegavam a uma semana inteira dentro das minas, sem direito a alimentos ou descanso.” A Igreja teve papel especial nessa história. Extremamente religiosos, os incas foram levados a crer que o rei da Espanha substituíra seu imperador no lugar reservado ao representante divino na Terra. Servir ao rei era como trabalhar para o próprio Deus-sol e ao morrer nas minas de prata estavam salvando suas almas do inferno.
Segundo Carpio, nas províncias os corregedores (espécie de prefeitos) tinham toda a liberdade para matar quantos índios fossem necessários para que a extração de prata continuasse a todo vapor. No entanto, em 200 anos de dominação, os espanhóis não eliminaram completamente as lideranças indígenas. Pelo contrário, parte do controle sobre a população era feita com o consentimento e apoio desses líderes – chamados de curacas, descendentes da nobreza inca. Convertidos ao catolicismo, muitos, inclusive, recrutavam membros das tribos para o trabalho forçado nas minas.
Descendente do primeiro Túpac, José Gabriel Túpac Amaru era um dos líderes que discordavam dessa prática. Curaca de Pampamarca, Tungasuca e Surimana, morava na província de Tinta, a 100 quilômetros de Cusco. Túpac herdou de sua família 70 pares de mulas, com as quais transportava mercadorias através dos Andes. No meio daquela região montanhosa, ter um par de mulas era como ter um caminhão. Túpac era próspero, respeitado e bem relacionado. Insatisfeito com o que via na região, defendia junto às autoridades espanholas uma reforma no sistema colonial. Aos tribunais de Lima encaminhara um pedido oficial em que pediu a eliminação do cargo do corregedor, substituindo-o por prefeitos eleitos nas províncias e povoados, e o fim da mita. Nada conseguiu. Aos poucos, passou a espalhar a idéia de rebelião. Em uma carta aberta à população, dizia que os corregedores faziam do sangue dos peruanos “sustento para sua vaidade”. Conseguiu a simpatia e apoio de alguns curacas, que se dispuseram a lutar.
Tinta foi apenas o primeiro alvo da revolta. Após matar Arriaga, Túpac e seus homens percorreram povoados e vilas da região, prendendo e enforcando as autoridades espanholas que encontravam. Ficavam com seu dinheiro e armas e distribuíam seus bens entre a população. Túpac nomeou chefes locais e conseguiu que milhares de pessoas aderissem à sua tropa. Aterrorizado com a rapidez com que a revolta se espalhava, o bispo de Cusco, Juan Manuel de Moscoso y Peralta, enviou 1 500 soldados para eliminar o rebelde. Em 18 de novembro, no povoado de Sangarara, entre Cusco e Tinta, Túpac enfrentou o exército do rei com 6 mil homens sob seu comando. Em menos de um dia o inca cercou os soldados do bispo. Depois de intensos combates, o último grupo de espanhóis se refugiou na igreja do povoado, esperando que o indígena poupasse o local sagrado. Túpac não quis saber: invadiu a igreja e matou todos. Em represália, Moscoso y Peralta excomungou Túpac Amaru e seus seguidores. Essa era a maior desonra que alguém poderia sofrer na época. Tanto para católicos quanto para indígenas, a excomunhão significava que a pessoa estava distante de Deus. O efeito da punição logo se fez sentir. “Por conta disso, numerosos adeptos da causa tupamarista abandonaram suas fileiras ou deixaram de nelas ingressar”, afirma Kátia Baggio, historiadora da Universidade Federal de Minas Gerais.
Túpac se preparou para invadir Cusco. A estratégia era tomar Puno, que ficava entre Cusco e Potosí, para depois avançar sobre a capital. No entanto, após os eventos em Sangarara, o vice-rei do Peru, Agustín de Jáuregui, resolveu pedir auxílio à Espanha. Se as tropas do rei Carlos III chegassem ao Peru, a rebelião não teria chance, por isso o inca adiantou seus planos. Cusco era uma verdadeira fortaleza. Cercada de grandes muralhas de pedra, a antiga capital do império inca tinha uma rígida planificação urbana em forma quadriculada, cujo desenho lembrava a forma de um puma. As tropas da cidade partiram em direção aos rebeldes, para conter sua chegada, enquanto mais soldados preparavam a defesa. Muitos curacas católicos, junto com suas tribos, se mostraram fiéis à Igreja e ao rei da Espanha, e ajudaram os europeus a montar uma estratégia para conter os rebeldes. O clima de agitação e expectativa diante da iminente invasão levou a cidade ao caos.
Em 28 de dezembro de 1780, Túpac chegou ao limite norte de Cusco, uma região chamada Cerro Picchu. Seguiam com ele mais de 40 mil homens, embora poucos estivessem armados e preparados para a luta. Seus planos contavam com um ataque vindo do nordeste, por Diego Cristóbal, irmão de Túpac, e com a adesão da população indígena local. Em 2 de janeiro de 1781 os combates começaram. Por dias as tropas do vice-rei, cerca de 12 mil homens, conseguiram manter os invasores afastados da cidade, tempo suficiente para receberem um reforço de 8 mil homens, seis canhões e 3 mil fuzis vindos de Lima. Os rebeldes, ao contrário, viram seus planos falharem. Diego Cristóbal não conseguiu ultrapassar as defesas espanholas do rio Urubamba e recuou. O policiamento ostensivo nas ruas de Cusco reprimiu qualquer tentativa local de sublevação. Em 8 de janeiro, Túpac fez uma tentativa desesperada e atacou a cidade com força total. A violenta batalha durou cerca de sete horas, mas as defesas se mantiveram praticamente intactas e os realistas tiveram poucas baixas.
Túpac desistiu do cerco e se aquartelou em Tinta. Em março, com o reforço de 17 mil soldados espanhóis, as tropas do vice-rei resolveram sufocar de vez a rebelião. Em 5 de abril, os espanhóis infligiram uma gigantesca derrota às tropas tupamaristas. Depois de um dia de combates, ofereceram perdão àqueles que abandonassem Túpac e se unissem a eles. No dia seguinte, cercaram o exército rebelde e conseguiram outra grande vitória, graças a informações entregues por traidores do exército inca. Os rebeldes se dispersaram e fugiram da cidade, mas Túpac e seus colaboradores mais próximos foram presos em um emboscada preparada por seus próprios partidários. Apenas uma pequena parte do exército rebelde conseguiu se refugiar nas montanhas. Na mesma semana, para comemorar sua vitória, os espanhóis enforcaram 70 curacas rebeldes na mesma praça onde o corregedor Arriaga perecera.
Túpac e sua família foram levados a Cusco, onde foram torturados para que dessem informações sobre os demais líderes rebeldes, como Diego Cristóbal, que conseguira fugir. “Diz a tradição que, sem ter como se comunicar com seus companheiros, Túpac escreveu uma carta com seu próprio sangue, em um pedaço de suas vestes, convocando todos para a luta, mas a mensagem acabou interceptada pelos espanhóis”, diz o antropólogo Rodrigo Montoya, da Universidade San Marcos, em Lima. Após 35 dias de torturas, em 18 de maio de 1871 Tupac foi levado para receber sua sentença em praça pública, no centro de Cusco: esquartejamento. Antes que a pena fosse aplicada, no entanto, Túpac assistiu ao enforcamento de seus homens rebeldes. Depois, dois filhos seus, Hipólito e Fernando, junto com Micaela, sua mulher, tiveram suas línguas cortadas, antes de serem executados. Enfim chegou sua vez. “Seus braços e pernas foram atados a quatro cavalos, que foram incitados a correrem cada um para uma direção”, diz Carpio. “Depois do insucesso de várias tentativas, os espanhóis desistiram do esquartejamento e cortaram a cabeça do inca.”
A rebelião no Alto Peru, no entanto, não acabou aí. Prosseguiu em duas frentes. Sob a liderança de Túpac Catari, cujo verdadeiro nome era Julián Apasa, e que adotou o apelido em alusão a Túpac Amaru e Tomás Catari, outro líder revolucionário morto pelos espanhóis na Bolívia, a revolta chegou a La Paz. Catari cercou a cidade em março de 1781, com mais de 10 mil homens, e fez um violento ataque em que mais de 10 mil morreram – sendo 8 mil indígenas. Após 109 dias de sítio as tropas realistas furaram o cerco. Catari voltou a atacar em agosto, mas foi derrotado e preso. Em 31 de novembro de 1781 foi executado.
A segunda onda de resistência se deu na região montanhosa em torno de Cusco, onde Diego Cristóbal continuou comandando o então reduzido exército de Túpac. Em maio de 1781, ele chegou a sitiar Puno, mas não a invadiu. Focos de conflito continuaram até 1782, quando Diego Cristóbal assinou um tratado de paz com os espanhóis. Apesar disso, depois de uma ameaça de levante em 1783, Diego e 120 supostos envolvidos acabaram executados.
Nos anos que se seguiram, os colonizadores exerceram uma forte repressão à cultura incaica e qualquer ornamento da nobreza inca foi proibido. “Falar o nome de Túpac Amaru em público virou um insulto aos espanhóis, um ato de rebeldia. A perseguição, no entanto, só aumentou o mito que se criou em torno dele e fez com que seus lendários feitos influenciassem gerações de revolucionários americanos, de Bolívar a Che Guevara”, diz Montoya. O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), em um verso de 1970, recordou Túpac “Como um sol vencido/ uma luz desaparecida.../ Túpac germina na terra americana”.

              

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Incas e astecas, dois paralelos sinistros
O quadro geopolítico dos povos e tribos era movediço. Os tapuias, por exemplo, que faziam parte do ramo jê, tinham sido expulsos da costa pelos tupis. As guerras obedeciam a uma lógica de conquista de territórios, mas também, em muitos casos, a outra, simbólica: beber o sangue e comer a carne do inimigo era uma homenagem aos deuses e dava vida longa aos vencedores — sem mencionar as proteínas. A antropofagia dos primeiros brasileiros impressionou vivamente os conquistadores e viria a dar origem, no século XX, a mais de uma teoria nacional da cultura (texto adiante).
Nem tudo era guerra. Havia caça, alguma agricultura, produção de objetos de cerâmica e armas. O lado empreendedor dos índios aparecia na Peabiru, uma primitiva estrada ligando o sertão ao litoral — a região onde fica a cidade de Assunção, no Paraguai, à costa do que é hoje o estado de São Paulo. Também havia permutas comerciais entre litoral e interior. Os tupis tinham acesso a regiões fronteiriças do império inca, onde obtinham, por troca ou saques, objetos de ouro, prata e cobre. Machados de cobre andino foram descobertos no Sul e no litoral de São Paulo.
O modelo de divisão de trabalho era rígido, baseado na coletivização. Todos eram classificados de acordo com a faixa etária, obedecendo a rigorosos ritos de passagem. Ao contrário do que ocorre na moderna sociedade ocidental, com sua lógica de produção e consumo, entre os índios a idade era mérito: quanto mais velho, melhor. Os idosos tinham todas as regalias. Apesar de levarem a fama de poligâmicos, só os “principais”, que se destacavam por bravura ou idade, podiam ter mais de uma esposa. Em muitas aldeias, viviam todos juntos numa casa enorme, a maloca. Foi quando chegaram aqueles sujeitos estranhos e barbados, cobertos da cabeça aos pés.
A boa recepção à esquadra de Cabral pode ter sido motivada apenas pelo interesse despertado por armas de fogo, facas e espelhos. No entanto, encontra paralelos sinistros na ilusão dos astecas, que viram o conquistador Hernán Cortés como o longamente aguardado messias branco e o puseram para dentro do palácio, facilitando o massacre, e na imprudência de Zapan, o imperador inca aprisionado pelo espanhol Francisco Pizarro. A destruição dessas complexas sociedades foi rápida e fulminante. A dos brasileiros, gradual. Ambas foram sistemáticas.
Na época do Descobrimento, havia no Brasil entre um milhão e cinco milhões de nativos. Alguns apostam que chegassem a 8,5 milhões. Seja como for, os números atuais, de 200 a 300 mil, dão uma idéia da carnificina ocorrida ao longo de 500 anos.
Começou com as epidemias. Varíola, tifo, catapora, gripe, coqueluche, difteria e peste bubônica foram alguns dos males que atacaram tribos absolutamente despreparadas para lidar com os novos inimigos microscópicos. A escravização de índios, que a princípio os portugueses tentaram transformar em modelo econômico, e as conversões em massa promovidas pelos jesuítas também ajudaram a esfacelar comunidades inteiras. A própria miscigenação tratou de completar o quadro, levando à perda de identidade dos descendentes de índios com brancos, os mamelucos.
A partir da chegada dos franceses, ainda no início do século XVI, os índios passaram a atuar também como bucha de canhão em conflitos internacionais. Os tamoios tornaram-se aliados dos franceses, enquanto seus arquiinimigos tupiniquins defendiam os portugueses. Um século depois, os holandeses entraram no jogo e se uniram aos tapuias contra os lusitanos. Criou-se assim uma tradição que iria longe: em troca de liberdade ou, mais tarde, da demarcação de terras, índios de várias tribos brasileiras seriam enviados para guerras que nada tinham a ver com seus interesses, como a do Paraguai.
A visão dos índios como criaturas inocentes e idílicas criou raízes profundas no imaginário do Velho Mundo, mas, na prática político-econômica, os nativos logo se tornaram um empecilho ao projeto expansionista português. Foi quando começou a crescer sua fama de preguiçosos, rebeldes e desobedientes, que abriria caminho para a importação de escravos negros.
No entanto, embora não fosse hegemônica, a escravidão de indígenas continuou a ser praticada de forma mais ou menos intensa em todo o território brasileiro, onde teve base legal até 1833. Mesmo assim, em meados do século passado ainda eram vendidos índios escravizados no Rio de Janeiro e na Amazônia. Até serem expulsos do país, em 1759, os jesuítas lutaram contra essa prática. Uma luta difícil: acossados por doenças e escassez de alimentos, muitos pais vendiam seus filhos como escravos por qualquer valor em dinheiro ou gêneros.
No século XX, a percepção dos índios como vítimas de uma política sistemática de destruição gerou ações governamentais que, se lhes deram alguma proteção, terminaram de lhes tirar o papel de sujeitos da própria história. Com o Serviço de Proteção ao Índio, criado no início do século, e a Fundação Nacional do Índio, que o substituiu em 1967, instaurou-se uma tutela ainda em vigor: eles são considerados relativamente incapazes, como as crianças.
Hoje se pode ver com clareza: os índios brasileiros — como seus irmãos tecnologicamente mais avançados, incas, astecas e outros — entraram numa violenta guerra chamada História. Nela não havia lugar para as idéias modernas de diversidade cultural e preservação de diferenças. Foram esmagados. Num seminário em Londres, nos anos 80 do nosso século, um inglês politicamente correto perguntou ao compositor Gilberto Gil o que podia ser feito pelos índios brasileiros. “Arqueologia”, respondeu Gil. Quase foi linchado. A verdade histórica incomoda.

Literatura: Carlos Fuentes onstrói ponte sobre o Atlântico

Os 500 anos da chegada de Colombo às Américas, comemorados em 1992, foram o pretexto encontrado pelo mexicano Carlos Fuentes para lançar-se em busca daquilo que ainda liga a cultura latino-americana à Espanha.

O resultado da escavação é o livro "O Espelho Enterrado", que chega traduzido para o português do Brasil em julho, pela Rocco, com nove anos de atraso em relação a seu lançamento original.

O livro, ilustrado com mais de 150 imagens, foi imaginado inicialmente como complemento para a série de TV homônima, exibida em cinco capítulos pelo canal Discovery.

Acabou se transformando em um grande ensaio, em que Fuentes investiga desde as raízes das instituições políticas latino-americanas -ao traçar o embate entre democracia e autoritarismo na Espanha- até a mistura étnica da qual originou-se o espanhol que colonizou a América.

Fuentes acaba de lançar na Europa e no México seu mais novo romance, "El Instinto de Inez", que tem como pano de fundo uma ópera de Berlioz. O livro entrelaça duas histórias de amor, por trás da paixão de um diretor de orquestra por uma soprano, e se passa na Londres bombardeada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial. "El Instinto de Inez" ainda não tem data de lançamento prevista no Brasil.

Leia os principais trechos da entrevista que Carlos Fuentes deu à Folha, por telefone, de Londres.
(SYLVIA COLOMBO)

Folha - "O Espelho Enterrado" é uma história da América espanhola para os latino-americanos ou uma obra didática para os europeus?
Carlos Fuentes -
Quis escrever, pela primeira vez, uma história cultural e política compartilhada entre Espanha e América hispânica. Geralmente se apresenta uma história dividida pelo Atlântico, como se o oceano fosse um abismo. Não é. Considero o Atlântico uma ponte. Na época do franquismo e do pós-franquismo, divulgou-se a idéia de que nossa cultura era única. A idéia de que existiria uma só "hispanidade" era própria do pensamento conservador.

Folha - E como você entende a "hispanidade"?
Fuentes -
É um evento cultural que carrega explicações sobre o que será o mundo neste século 21. Um mundo em que os países latinos, particularmente os de língua espanhola, vão ter grande importância. O espanhol já é a segunda língua mais falada no Ocidente depois do inglês. É um inegável fato histórico de essencial importância que cada vez mais pessoas falem espanhol nos Estados Unidos, que está se tornando um país bilíngue. Em "O Espelho Enterrado", quis fazer um histórico dessa atualidade e desse futuro.

Folha - E a América de língua portuguesa não é parte desse futuro?
Fuentes -
Infelizmente, não tive tempo suficiente para tratar de Portugal e Brasil. O Brasil é um continente em si mesmo, o máximo que pude fazer foi falar de Aleijadinho. O Brasil é um caso muito especial dentro da América Latina. Não é uma típica república sul-americana. Tem a particularidade de ter obtido sua independência pelas mãos do colonizador e de ter sido um império. Além disso, havia limitação de recursos para viagens.

Folha - Por que você diz que o que acontece na América Latina é um termômetro do século 21?
Fuentes -
Desde a abertura democrática, as minorias ganharam espaço para se fazerem ouvidas. O caso de Chiapas é significativo, pois chegou ao Congresso mexicano, onde, teoricamente, leis são decididas democraticamente. Tomamos consciência de que somos nações multiculturais, e não só descendentes de europeus.

Acho que se está cultivando de forma mais intensa uma visão de multiculturalismo, e essa é a profecia do que vai ser o século 21, um século mestiço e de migrações.

Folha - Como é seu novo livro, que está sendo lançado na Europa?
Fuentes -
É sobre amor, música e história. "El Instinto de Inez" é um romance que tem como pano de fundo a ópera. Os protagonistas são um diretor de orquestra e uma cantora mexicana. É a história de uma mulher que se apaixona por alguém de um outro tempo e quer buscá-lo a todo custo.

Começa quando o diretor da orquestra se prepara para dirigir uma ópera, aos 93 anos, pela última vez. As suas recordações surgem e ele evoca seu passado pessoal e a história que viu acontecer.

Folha - Por que você passa seis meses por ano em Londres?
Fuentes -
Vivo aqui porque a comida é ruim e as pessoas são sem graça, vão para a cama muito cedo. Não há distração, é excelente para trabalhar. No México sou feliz, há festas, há boas conversas, música e cores, mas não escrevo.

O ESPELHO ENTERRADO
("The Buried Mirror", Nova York, 1992)
De: Carlos Fuentes
Editora: Rocco (tel. 0/xx/21/ 507-2000, www.rocco.com.br). Tradução:
Primeira edição. 374 págs
Preço ainda não definido
Mauro Gama


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